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Cartas da mamãe
on
8:36 PM
in
In Memorian
Conheci
muitas coisas logo cedo. A perda, o sofrimento, mas também a fé e o
amor. Vida dura, de acordar às três, tomar banho de cuíca e variar
entre um par de roupas ou outro. Na mesa, café preto, pão dormido
ou fubá cozido. Ainda podia escolher. Depois, subir de carona no
pau-de-arara e trabalhar na roça. Eu tinha oito anos. E foi quando
te conheci.
Hoje,
você Pedro, eu Damiana. Para consegui ler, escrever e mandar os
meninos para a escola, conhecer os estudos, precisei ajoelhar em
milho quente, apanhar de cipó de goiaba e abandonar a minha mãe.
Você, levou tiro do Pai, me deu seu amor e nunca desistiu de mim.
Na vida,
houve quando não tivéssemos nada. Sem comer, sem dormir. Mas a
gente nunca deixou de se amar. Pedi ajuda, bati na porta de muitos.
Consegui emprego. Você foi empilhar caixa e varrer chão. Aprendi a
assinar meu nome e a gostar de romances. Hoje, posso escrever cartas.
Sem saber
nada do mundo, nunca tivemos dúvida do nosso amor. Agora, cinquenta
e oito anos depois de entrarmos naquela igreja, ainda o mesmo apreço. Mas, não me sinto mais
forte e minhas pernas doem. Queria levantar, preparar teu café,
arrumar teu agasalho, mas só consegui alcançar a caneta e este
papel...
Damiana
in memorian