0

Cartas da mamãe

on 8:36 PM in
Conheci muitas coisas logo cedo. A perda, o sofrimento, mas também a fé e o amor. Vida dura, de acordar às três, tomar banho de cuíca e variar entre um par de roupas ou outro. Na mesa, café preto, pão dormido ou fubá cozido. Ainda podia escolher. Depois, subir de carona no pau-de-arara e trabalhar na roça. Eu tinha oito anos. E foi quando te conheci.

Hoje, você Pedro, eu Damiana. Para consegui ler, escrever e mandar os meninos para a escola, conhecer os estudos, precisei ajoelhar em milho quente, apanhar de cipó de goiaba e abandonar a minha mãe. Você, levou tiro do Pai, me deu seu amor e nunca desistiu de mim.

Na vida, houve quando não tivéssemos nada. Sem comer, sem dormir. Mas a gente nunca deixou de se amar. Pedi ajuda, bati na porta de muitos. Consegui emprego. Você foi empilhar caixa e varrer chão. Aprendi a assinar meu nome e a gostar de romances. Hoje, posso escrever cartas.

Sem saber nada do mundo, nunca tivemos dúvida do nosso amor. Agora, cinquenta e oito anos depois de entrarmos naquela igreja, ainda o mesmo apreço. Mas, não me sinto mais forte e minhas pernas doem. Queria levantar, preparar teu café, arrumar teu agasalho, mas só consegui alcançar a caneta e este papel...  

Damiana
in memorian

0

Reconquista

on 10:15 PM in
Amor é estado de espírito. O que sinto por você, Kevin, é uma alucinação.

Estou te esperando do lado de fora deste café há exatas duas horas. Cheguei cinco minutos atrasada, achei que daria charme ao encontro. Me penteei, coloquei batom e estou usando um vestido de flores. Muitos homens me olham, os casados me desejam até secretamente, mas estou aqui, neste café, há duas horas e meia, escrevendo esta carta. Por você.

Estou tentando escolher bem as palavras, querendo que o tempo passe correndo e que o teu atraso seja só mais um imprevisto ou desatenção. Olho ao redor e só consigo ouvir os agudos. A colher encostando na xícara, a risada da mulher que passa, o assobio do vento frio nos meus ouvidos. Poderia ser uma tarde fria, silenciosa e feliz em Paris, mas é só uma tarde. E mais uma vez estou sozinha, perfumada e esperando por você.

Sabe, acho que já gostei mais de mim. Quero dizer que eu me valorizava mais. Talvez um dia até tenha amado - ao menos a mim mesma. E vou te dizer mais... acho que estou me reconquistando, bem aqui, nesta mesa.

Mas, antes de ir embora, quero te agradecer. Obrigada por ter me magoado tanto e me dado a chance de perceber o quanto sou melhor e mais importante que você. Agora sim, vou poder saborear o gosto de um café, mesmo estando sozinha.

Agradecida,
Regina. 



Copyright © 2009 Clube dos saudosistas All rights reserved. Theme by Laptop Geek. | Bloggerized by FalconHive. Distribuído por Templates